Lawrence estava lendo um livro, mesmo à meia-luz que formava apenas um tênue cone ao seu redor. Sombras se projetavam pelo seu corpo, ocultando seu rosto e suas roupas, mas ele se mantinha encolhido, talvez pelo frio daquele lugar. A luz reluzia nas barras de metal à sua frente, entrenhadas umas nas outras para impedir qualquer um de sair. O homem permaneceu assim por mais alguns minutos, com apenas o som das páginas virando para acompanhá-lo na solidão, até ouvir uma movimentação à sua frente. Levantou a cabeça, vendo um rosto através das barras de metal.
- Imaginei que você fosse me ver, Ezequiel. - Disse Lawrence, fechando o livro.
- Sempre gostei de ver sua derrota. - Respondeu o homem à frente, colocando os braços através das barras. A manga fina e delicada contrastava com o metal enferrujado no qual se apoiava. - Você tem olheiras terríveis. Tem dormido direito?
- Você deve saber que não. - Ele mordeu o interior da boca.
- Ainda acredita que fez a coisa certa? - Sorriu Ezequiel.
- Fiz o que achei que nós dois acreditávamos. O melhor para todas as pessoas.
- E você acha que eu não acreditava nisso?
- Você só queria que as pessoas fossem iguais à você.
Ezequiel gargalhou, afastando-se das barras para sumir na escuridão momentaneamente. - É isso que você acha? Que eu não lutei para trazer o bem para todas as pessoas? Você me viu ajudando tantos!
- Enquanto tentava fazer todos pensarem iguais à você. - Respondeu o outro, observando sem se mover. - Vou repetir o que te disse naquela noite terrível. Nós deveríamos lutar por todos. Não só nós, humanos, mas também elfos, reptilianos, fadas, todos. É o nosso dever.
- Nós tentamos ter uma conversa amigável, mas fica difícil quando eles nos odeiam! - Ezequiel abriu os braços, jogando as costas para trás.
- Nos odeiam porque pessoas como você os esmagaram por tantos anos.
- Não seja ridículo. - O homem voltou a apoiar-se nas barras de metal da cela, mantendo as mãos perto de Lawrence. - Convivemos pacificamente por anos. Só que eles querem mais. Querem nossos livros, nossos professores, nossos cargos públicos. E iriam querer ir atrás de pessoas como você.
- Só pareceram pacificamente para nós. Nem eu nem você sofremos o que eles sofreram.
- Então vai continuar do lado deles, mesmo depois de tudo? - As mangas finas se agitaram. - Quando proferem tantas palavras de ódio contra nós?
- Você só pode estar insano. - Lawrence arregalou os olhos. - Depois de tantos ataques que você e outros fizeram, você realmente vai julgar uma resposta no mesmo nível?
- Então você vai continuar! - Ezequiel gargalhou mais uma vez, e sua risada ecoou ao redor de Lawrence. - Eles querem tomar sua vida, seu idiota. Ou o que restou dela. Querem ser reis, nos oprimir como acham que foram e são oprimidos.
- Isso é uma resposta de poucos. A maioria só quer igualdade.
- Eles querem o que é nosso. - O rosto de Ezequiel se assemelhava ao de um professor tentando explicar algo muito simples para uma criança. - O que é nosso por direito.
- Não, só querem os mesmos espaços que nós. - Lawrence deixou o olhar cair. - Francamente, não acredito que você realmente seja tão obtuso.
- Palavras fortes para alguém que viu quantos existem de nós. - O homem sorriu, abrindo os braços. - Somos a maioria, rapaz. Somos o que o povo quer. E você sabe disso. Estamos vencendo.
- Não, vocês estão perdendo. - Disse Lawrence ao se levantar. A porta atrás dele se abriu, conjurando os raios de luz que banharam o interior da cela de Ezequiel. - Vocês são apenas o último grito desesperado de uma mentalidade atrasada que não consegue suportar que existem outras pessoas. - Ele deu um passo adiante, ficando frente a frente com o outro. - Um cadáver que não percebe que foi morto pela História.
Ezequiel sorriu, sem se mover. - Existem muitos cadáveres então.
- E existem muito mais manipulados pelos cadáveres. Tenho certeza que eles vão entender o que vocês realmente querem passar. Que podemos quebrar seu ódio.
- Isso me soa como desespero.
- Pelo contrário. - Sorriu Lawrence. - Esperança. - Ele desligou a luz e fechou a porta. O sorriso de Ezequiel permaneceu em seu rosto, tomado pelas trevas.